Venâncio Borborema, é um professor com larga experiência educacional adquirida através dos mais de dez anos de atuação na zona rural e enriqueceu a sua intocável biografia nas comunidades de São Francisco, Gaivota e Galiléia. Dono de uma coragem fenomenal, nas últimas eleições se recusou de ser transformado em cabo eleitoral do prefeito municipal e foi transferido para exercer a sua nobre profissão na comunidade de Santa Maria do Mamuriacá.
Borborema é um cidadão com as linhas da testa arredondadas e onduladas, portador de uma coragem extrema, com um potencial de imaginação de fazer inveja a qualquer um. Muitas vezes chegou a influenciar toda uma comunidade e não passou daí, dado ao excesso de defender como ninguém a posição de ser ateu o que fazia com que algumas pessoas declinassem de convidá-lo aos eventos sociais.
esmo sendo intimamente conhecedor da rejeição, não passava recibo a ninguém, o boa praça, com o seu sorriso encantador, olhos cor de mel e altura mediana, dominava qualquer ambiente interiorano. Com um olhar penetrante e inquiridor, passava a todos um mistério, ora parecia ser portador de uma extrema valentia, noutro momento demonstrava uma notável ternura e solidariedade para com todos.
Assim, passa a residir numa casinha simples às margens do suntuoso Lago o Mamuriacá distante a 500 metros da escola. Desse modo, o professor cheio de vigor e coragem, agora caminhante, passa a cumprir a pé o longo percurso todos os dias. O capim tremembeca e bico-de-pato disputam com o andarilho a estreita trilha que alguns chamam de estrada rumo a destinos tantos.
As margens do longínquo e sinuoso caminho estão decoradas por seringueiras, bromélias, bananeira, açaizeiros, cedro, mulateiro, entradas para grutas, igarapés, cabeceiras, lagos e selva fechada. Os sons inconfundíveis de sapos e carapanãs fazem coro formando em cadência o grande recital da floresta, que, raramente é quebrado pelo som da rasga mortalha.
A casa dispõe de um assoalho reluzente e aconchegante que parece querer segurar os pés de Venâncio Borborema, razão de quando em quando se entregar ao chão morno das belíssimas tábuas de Angelim - rajado. As janelas confeccionadas em madeira de lei cumprimentam o leste recebendo os raios dourados do rei sol das manhãs e o dormitório arejado que lhe espera, raras vezes faz uso, visto preferir a confortável varanda com vistas a uma linda roseira branca aos pés da escada que saúda a todos.
É nesse ambiente que o nosso professor destemido e corajoso logo se familiariza com os estudantes e demais famílias residentes na ordeira comunidade e passa a vislumbrar novas perspectivas, visto que, mil planos delineiam os seus pensamentos.
Vaidoso, certo fim de tarde pega uma parafernália de produtos cosméticos da Avon e toma o caminho rumo à beira do Lago que lhe espera, na intenção de banhar-se quando de repente ouve os sons; xhéééq, shéééq, shiiiiiiiééééq, o coração palpitou, a boca ficou amarga e os cabelos queriam saltar,e, por um instante reina um profundo silencio. Corajoso, seguiu em frente e tomou um banho refrescante.
A disciplina era uma constante em sua vida, razão de procurar se recolher logo após as aulas. Certa noite se joga no assoalho e passa a contemplar as inúmeras figuras que se formam no interior das paredes, são as manchas disformes produzidas pelo cal-molhado do mormaço que lhe desafiam a formatar vários quadros levando-lhe a adormecer, viajando em sonhos mil, quando subitamente é despertado por um som que reverberou nas profundezas do seu ser.
Foi um piar penetrante da rasga mortalha do alto da cumeeira seguido de uivos de um cachorro do mato que recebia lambadas de um resistente galho de cuieira. Pulou tardiamente em posição de combate, gesticulando enfrentar a fera desconhecida e logo desiste.
Enquanto isso, o seu conceito subia vertiginosamente no seio da comunidade, afinal estava levando os seus conhecimentos a centenas de ribeirinhos sedentos de sabedoria, razão de algumas vezes ficar até mais tarde, colocando as coisas em dias com os demais comunitários.
Precavido, e para não ser submetido a constrangimentos ou levar a pecha de medroso, perguntou a alguns alunos, -passando naturalidade- se alguém tinha ouvido em noites anteriores nos arredores de suas casas algo estranho, recebendo a negativa, se sente senhor de si, se despede e inicia a longa caminhada rumo a sua casa.
Assim, vai à marcha de viagem e pressentindo que havia algo lhe seguindo, amiúda as passadas, instantes depois, ouve novamente os sons da beira do lago e resolve acelerar mais. Quanto mais dá velocidade nas passadas, mais os sons de passos pesados aumentam, quando ele pára, nada ouve. Resolve prosseguir a caminhada, de repente os sons vem em sua direção, shééééq, shéééq, shééééq,shiiiiiiiéééq, Venâncio, firma o olhar e vê um grande vulto e quando pára todos os livros vão ao chão, as pernas tremem mais que vara-verde, é invadido de uma profunda dormência, tenta pedir socorro e a voz não sai.
Aos seus olhos, a poucos metros, um homem muito alto e apavorante vestido de preto com a calça molhada o observa sorrindo, o coração que sair pela boca, a vista escurece e desmaia pedindo perdão por todos os pecados cometidos o por aqueles que ainda pretendia cometer, nesse momento o medonho desaparece mata adentro.
Minutos depois, levanta-se atordoado e tenta partir, quando ao nono passo leva a mão nos bolsos, é quando sente o molhado quente de urina, levando a mão esquerda no bolso detrás se dá conta que algo escorre pelo interior das pernas rumo as meias e sapatos encharcados, e para seu desespero, o calça molhada retorna com o seu chééééq chééééq, ao ouvir o som inconfundível, busca as últimas forças e põe-se a correr.
Num passe de mágica, o ser emblemático passa em direção contrária, é quando reencontra forças e segue em frente perseguido pelo pavoroso shééééq,shéééq, shiiiiiiiééééq.
Na manhã seguinte, antes da primeira aula, leva uma prosa sobre encantes, e falecidos que alguns dizem retornar para este plano, dando a entender que nada aconteceu e deixando claro que não acredita em nada que não seja palpável, é quando os estudantes respondem: professor, só acreditamos no Calça molhada que morava numa casinha as margens do seu caminho, de quando em quando ele aparece, faz tempo que ele morreu e sempre das as caras por aqui, aparece como uma visagem.
Fonte: Lison On Line