Conta a lenda que a primeira geração de tetravôs da índia Mascotu, filha de Huzá, da aldeia Popunhari, da nação Parucuató, quando desceram o rio Urucurim alcançando o rio dos Jamundás, hoje rio Nhamundá, teriam deparado com uma nação indígena somente de mulheres, na qual prevalecia o matriacardo, cujo povo passou a ser chamado de Icamiabas; e residiam às margens da Serra do Espelho da Lua; assim também ocupavam toda a extensão do Lago do Espelho da Lua até as suas cabeceiras, que veio mais tarde a ser conhecido como Iaci Uaurá.
Segundo a lenda, foi Mascotu a única índia aceita a fazer visitas temporárias junto às belas guerreiras Icamiabas, especialmente quando se davam as grandes ritualísticas em homenagem à deusa verde – sacerdotisa Icamiaba eleita por seus pares para fazer cumprir o breve estágio de procriação nas noites de Lua cheia.Desse modo, naquelas noites prateadas, chegavam os mais belos guerreiros das nações Parucuató, Araui, Beneboyana, Caxorena, Mauhá, Oakiá, Paranancari, Timunu, Xarumá – nações indígenas extintas da região do Mapuera –, além de vários outros que traziam caças, mel, farinha de mandioca, penas, miçangas e dezenas de adereços confeccionados pelas exímias índias artesãs de suas respectivas tribos.
Bem antes de rufar o tambor, à meia-noite, dos altos da Serra do Espelho da Lua, a sacerdotisa, introspectiva, recolhia-se em orações suplicando aos deuses que protegessem cada filha da Lua contra os filhos do Sol, que toda a grande floresta continuasse resplandecente a brotar a seiva da vida e que cada palmo de terra fosse contemplado com a majestosa energia da multiplicação.
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Foto: Rodrigo Rifan Nunes |
Bem antes de rufar o tambor, à meia-noite, dos altos da Serra do Espelho da Lua, a sacerdotisa, introspectiva, recolhia-se em orações suplicando aos deuses que protegessem cada filha da Lua contra os filhos do Sol, que toda a grande floresta continuasse resplandecente a brotar a seiva da vida e que cada palmo de terra fosse contemplado com a majestosa energia da multiplicação.
Que nos recônditos das profundezas do formoso lago do Espelho da Lua fosse mantido o solo abençoado pela hierarquia celestial, para ser tratado e esculpido às formas dos animais aquáticos mais sublimes em eterna homenagem aos anjos, de maneira que cada tocar de dedos na argila esverdeada refletisse a formosura do patrimônio vital, o ar; e, ao emergir, devidamente polido, tomasse forma de cada espécie da face da Terra em cuja energia sentida levasse qualquer um ser a ouvir os silentes cânticos secretos da natureza.
Assim, após esse encontro interior com os deuses da floresta, a sacerdotisa autorizava a entrada dos mais belos guerreiros, oportunidade em que muitos tinham a entrada proibida por serem portadores de pequenas anomalias físicas. Os contemplados com a passageira visita, após o contato sexual, eram convidados gentilmente a deixar as margens do sagrado lago, pois, mediante qualquer gesto de não atendimento, poderiam fazer eterna morada em suas profundezas.
Desse modo, passados os meses, quando por ventura nasciam filhos machos, os bem-aventurados guerreiros eram comunicados para ir buscá-los; quanto às meninas nascidas desses abençoados encontros, eram conduzidas ao topo da Serra e lá viviam até completarem onze anos de idade; era quando recebiam o batismo e a pulseira de semente de tentos para transitar pelas aldeias Icamiabas livremente.
Com as tentativas de investidas na região pelo homem branco, toda a nação dos Icamiabas, ainda no início do século XIV, mudou-se para a Serra Macoa, onde sofreu a dizimação pelos estrangeiros e pelas demais nações indígenas inimigas, no planalto guianense; mas esse povo deixou um dos maiores patrimônios arqueológicos num sítio que até hoje se encontra perdido no leste, entre os rios Cafuini, Tutuma e Urucurina, marcado por um obelisco em plena selva amazônica, o qual dificilmente haverá de ser encontrado.
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Autor: LISON COSTA.